As lições de quem venceu uma doença autoimune e se prepara para disputar o Ironman
ESPORTES - Jean Cocteau não é um poeta muito conhecido por aqui, mas uma frase escrita por ele é utilizada comumente em casos de superação: “Não sabendo que era impossível, foi lá e fez”. Para a blumenauense Fernanda Hayde, não existe um conjunto de palavras que faça tanto sentido quanto ao do francês. Diagnosticada em 2017 com uma doença autoimune, passou por três cirurgias, encarou a dor como parte do cotidiano e mesmo assim não tirou o esporte da vida. Aos 38 anos, com um problema chamado de espondilite anquilosante – uma inflamação crônica, sem cura, que atinge a coluna vertebral e leva gradativamente à perda de mobilidade –, escolheu correr, pedalar e nadar, em vez de se aposentar por invalidez.
Ignorando qualquer tipo de diagnóstico negativo, a fisioterapeuta, professora universitária e triatleta colocou o otimismo como parte do dia a dia, até mesmo quando disseram que ela precisaria parar de praticar atividades físicas. Passou a treinar, treinar e treinar, ao ponto de disputar no ano passado por duas vezes o Half Ironman – uma prova de triathlon com 1,9 km de natação, 90 km de ciclismo e 21,1 km de corrida. Desistir não era opção.
– Sempre acreditei em mim. Tenho uma incrível capacidade de resignação e resiliência. Sempre soube que tudo ia dar certo – conta a atleta.
Em julho do ano passado, porém, Fernanda não conseguiu levantar da cama e teve que iniciar um novo tratamento, com medicação para controlar a dor e terapia imunobiológica com injeção a cada 30 dias. Tudo para prevenir e controlar lesões articulares e perda de função, melhorar a mobilidade da coluna e elevar a qualidade de vida. O que poderia ser o estopim para que ela desistisse de tudo tornou-se um empurrão para um desafio duas vezes maior do que aqueles de 2017, literalmente. Liberada pelos médicos, a triatleta disputará em maio o Ironman, em Florianópolis.
– Disseram que eu não poderia correr, não poderia fazer nada. Quatro anos atrás comecei a me exercitar. Em 2015, comecei a fazer triathlon, e, em 2017, disputei dois meio Iron. Neste ano é a vez de disputar o Ironman inteiro. Iniciei minha preparação em fevereiro, um pouco tarde em comparação aos outros atletas, mas, mesmo assim, sei que tudo vai dar certo – avalia.
Esporte auxilia no tratamento
A médica Fernanda Rodrigues Lima, doutora em Reumatologia pela faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, conta que, até o fim do século passado, era comum especialistas pedirem para pacientes com doenças reumáticas ficarem em repouso. O medo era de que o problema piorasse. Mas estudos recentes derrubaram essa tese e apontam que o exercício físico tem um papel benéfico, controlando a inflamação e o sistema imunológico.
– Os atletas costumam ter limiar de dor mais alto, toleram mais o esforço, a fadiga. Com isso, tendem a lidar mais com o desconforto da doença e costumam ser mais otimistas. Quando melhoram clinicamente com a medicação e pelo fato de já serem mais saudáveis de base, por serem condicionados, eles tendem a voltar a praticar o esporte com uma intensidade mais alta que a média das pessoas – explica a reumatologista.
Especialista em medicina esportiva, Tiago Beltrame Giacomini explica que o diferencial de Fernanda foi não se entregar quando os problemas apareceram:
– Atletas não costumam se deixar levar por opiniões desfavoráveis, procuram se desafiar e costumam ser competitivos. Ela, ainda mais. Uma mulher instruída e determinada, não se deu por satisfeita, buscou a literatura e profissionais atualizados que puderam dar o suporte que precisava para aquilo que queria: seguir em frente no esporte que escolheu.
No fim das contas, nem mesmo a dor constante deixou Fernanda em casa, lamentando a doença. No limite, ela treina sete dias por semana e a endorfina é companheira corrida após corrida, exercício após exercício. Uma prova de que obstáculos estão aí para serem ultrapassados, por mais clichê que isso possa parecer. E ela prova isso.
Fonte:Jornal de Santa Catarina